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29 Mar 2015
A hospitalidade que desinstala o comodismo
Homilia no Domingo de Ramos, na Sé Catedral, às 11h do dia 29 de Março de 2015
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Ano após ano, recordamos o ingresso de Jesus em Jerusalém. Acompanhado pelos seus discípulos e por uma multidão crescente, Ele sobe da planície da Galileia até à Cidade Santa. Uma subida feita por etapas, assim nos contam os evangelistas. E a cada um desses degraus equivale um prenúncio ou anúncio de Jesus sobre a Sua própria morte. Percebemos, desde logo, que esta subida é também uma peregrinação interior em que Jesus se prepara para chegar ao templo e aí, como lemos no Deuteronónimo, «estabelecer a sua morada» (Dt 12, 11). Não é, por isso, de estranhar que este Domingo, que dá início à Semana Maior, seja conhecido como Dominica de Passione Domini, o Domingo da Paixão do Senhor.

Durante o ingresso em Jerusalém, as pessoas ali presentes socorrem-se do salmo 118 para prestar homenagem a Jesus: «Hossana ao Filho de David! Bendito aquele que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!» (Slm 118, 25-26). Mas quem é este Filho do Altíssimo? Um detalhe deste cenário dá-nos a resposta. Jesus entra na cidade de Jerusalém montado num jumentinho, o animal da gente simples do campo. Não chega em cavalos ou carroçarias reais, mas num simples jumento que lhe havia sido emprestado (cf. Zc 9, 9).

O que aconteceu em Jerusalém foi um modelo para os primeiros cristãos e, porque não o dizer, para todo o cristianismo. Se Jesus fez a Sua peregrinação interior na subida, os discípulos realizam-na na descida. Curiosamente, uma das parábolas de Jesus fala-nos de um certo homem que descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores, que o deixaram meio morto (cf. Lc 10, 29-37). Passaram por ele duas pessoas, acomodadas e indiferentes, e seguiram adiante. Apenas um samaritano rasgou o véu da indiferença e restituiu a dignidade àquele injustiçado. A esta atitude poderíamos chamar-lhe – como a apelidei na minha Mensagem para a Quaresma – «generosamente servir o mundo». Ao mesmo tempo, descortinamos neste episódio algumas manifestações da caridade cristã: assistir aos enfermos, dar pousada aos peregrinos, consolar os aflitos. A esses traços, e outros tantos da identidade cristã, chamamos obras de misericórdia.

Hoje, Dia Mundial da Juventude, gostaria de me dirigir de modo particular a vós, jovens. Gostaria que tivessem a absoluta certeza de que podeis ser agentes qualificados na transformação do mundo. Mas porque o mundo é, ao mesmo tempo, uma realidade tão abstracta, queria que pensásseis no mundo das vossas relações, isto é, nas pessoas que se cruzam convosco no vosso dia-a-dia.

No Evangelho de hoje, Jesus, estando para morrer, gritou em alta voz «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste» (Mc 15, 34). Depois rasgou-se o véu do templo e a verdadeira identidade de Jesus foi revelada. Aquele homem simples montado num jumentinho era, afinal, o Filho de Deus. Acho particularmente cruel o facto de muitos soldados estarem junto à cruz sem nada fazerem para evitarem uma morte desnecessária e fundamentada num julgamento injusto. Certamente os soldados cumpriam ordens. Mas imagino que alguns, porventura, repudiariam este género particularmente violento de morte e, por falta de liberdade interior, não foram capazes de agir. A esta incapacidade ou falta de vontade de ser diferente poderíamos chamar de comodismo, ou seja, a segurança que resulta de esquemas dominantes.

Aos jovens são reconhecidas diversas características com potencial de desinstalar o mundo de um certo comodismo. Empenham-se em causas, têm opções de vida e projectos corajosos, são a alma de muitos grupos e actividades paroquiais e até partem em missão além-fronteiras.

Por isso, a vós, jovens, peço-vos que, à semelhança do bom samaritano que descia de Jerusalém, assumais o compromisso de duas obras de misericórdia. A primeira, dar pousada aos peregrinos, de ordem corporal. A segunda, suportar com paciência as fraquezas do próximo, é uma obra espiritual.

Um dos primeiros traços bíblicos da peregrinação surge imediatamente no credo histórico do povo de Israel. Diz o autor que «Meu pai era arameu errante» (Dt 26, 5). Errante é um vacilante que caminha sem destino fixo, alguém frágil e pronto a morrer, segundo outra acepção. Não é, por isso, de estranhar que logo desde o século IV tenham surgido no Oriente lugares de acolhimento aos estrangeiros e peregrinos. Chamavam-se xenodocheía (casa para os estrangeiros). Estes espaços poderiam ser hoje os mosteiros. Recordo, a título de exemplo, a regra de S. Bento, na qual é muito clara a exortação a que «todos os hóspedes que se apresentam no mosteiro sejam recebidos como se fosse o próprio Cristo».

Nem sempre é fácil sabermos se um peregrino, que gostaria de interpretar como qualquer pessoa com a qual nos encontramos, vem por bem ou se nos quer magoar, se é amigo ou inimigo. É precisamente esta desconfiança generalizada, esta lógica de contraposição, que, infelizmente, tem minado as relações. E numa época de insegurança global e de miscelâneas culturais, acolher o estranho é paradoxalmente o caminho indicado. À medida que a informalidade típica do anfitrião se vai esfumando, aumentam os estabelecimentos especializados em abrigo, como os hotéis ou pousadas.

Dar pousada aos peregrinos ultrapassa esta tipologia de acolhimento. Dar pousada enquadra-se no âmbito da hospitalidade, a qual testemunha um gesto de solidariedade que humaniza as relações e afasta do comodismo. Somos estimulados a transformar o nosso espaço segundo as necessidades do outro. Amparar o necessitado é um gesto típico da caridade cristã e acolher o peregrino, nos seus rostos muito variados, é um dever sagrado que lentamente vai transformando o mundo, tornando-o casa onde há lugar para todos.

A segunda obra de misericórdia de que gostaria de colocar nas mãos dos jovens é suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo. A atitude central neste caso é a paciência porque é aquela que nos implica directamente. São muitas as fraquezas dos outros. Imaginamos que as fraquezas de alguém são insanáveis. Como reagimos? Com violência, retaliação, indiferença? Perante as constantes fraquezas do povo veterotestamentário, Deus regia «lento para a ira» (Ex 34, 6), abrindo janelas de esperança em «atenção a esses dez justos» (Gn 18, 32).

A paciência significa, portanto, a capacidade de dominar os nossos sentimentos, a serenidade para superar as tempestades e a força de conviver com o que irresolúvel. Não por acaso, a paciência é considerada por Tertuliano «a maior virtude» cristã. No passado, a religião foi acusada de anestesiar as pessoas. É possível que alguns olhem para a paciência também como uma espécie de anestesia. Não é verdade. Uma paciência que signifique pactuar com a prolongamento de abusos, violências ou explorações é uma perversão da paciência e, a bem dizer, uma injustiça. A paciência, pelo contrário, é a vitória da caridade sobre os limites humanos. Jesus diria que a paciência é «face direita» (cf. Mt 5, 39) oferecida aos inimigos. O mesmo lado direito do seu corpo de onde, do alto da cruz, «brotou sangue e água» (Jo 19, 34) para o perdão da humanidade. Caros jovens, podeis emprestar-nos o vosso espírito regenerativo para aprendermos melhor os benefícios do amor paciente?

Pensando nos jovens, olho, também, para as nossas comunidades. Serão verdadeiramente acolhedoras e sempre prontas para tudo suportar ainda que seja com uma paciência heróica?

+ Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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